VOLUNTARIADO EM DEFESA DA AUTONOMIA E SEGURANCA PARA VITIMAS DE VIOLENCIA

12/11/2021 12/11/2021 12:45 228 visualizações

A violência doméstica e familiar contra as mulheres está presente no mundo todo. Todos os anos, são registrados milhares de feminicídios, casos de agressões graves, estupros, abusos, ameaças e violações de direitos humanos.  Por conhecer bem de perto essa realidade em função de sua atuação como defensora pública, Tânia Regina de Matos decidiu fazer algo além do seu trabalho de representar perante a Justiça as vítimas dessas crueldades em Várzea Grande, região metropolitana da Capital de Mato Grosso.

Após uma audiência na Câmara Municipal várzea-grandense em que as questões relacionadas à violência familiar foram debatidas, ela se reuniu com um grupo de integrantes da Escola de Aprendizes do Evangelho do Grupo Espírita Fraternidade, associada da Aliança Espírita Evangélica, para criarem a Liga de Reestruturação das Irmãs Ofendidas no seu Sentimento (Lírios), uma organização não governamental que oferece suporte social e tratamento psicológico às mulheres vítimas de violência. Fundada em dezembro de 2013, a Lírios faz parte da rede de enfrentamento à violência doméstica e familiar de Várzea Grande e realiza um trabalho diferenciado com resultados tão positivos que influenciam várias políticas públicas do município.

A defensora conta que o trabalho efetivo da organização teve início em 2014 e a partir de 2015, a Lírios passou a oferecer atendimento psicológico e social às mulheres em situação de violência (inclusive crianças e adolescentes da família independentemente do gênero), a fim de minorar as marcas deixadas por abusos, maus tratos, ameaças e lesões corporais.

O trabalho é realizado por meio de voluntariado e parcerias, entre elas, convênios firmados com as secretarias municipais de Educação e Assistência Social. Na instituição, atuam profissionais liberais, psicólogas, advogadas entre outros que, de forma voluntária, oferecem seu tempo, conhecimento e dedicação em campanhas institucionais como Coração Azul, 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra a Mulher, cursos, palestras e atendimento às demandas individuais em suas áreas de especialidade.

Paralelamente, a ONG também atua de forma a despertar a consciência cidadã, oferecendo ao seu público-alvo, treinamentos e formação para que possa atuar como membros proativos nos vários conselhos públicos do município; promove ainda palestras e oficinas com pais e adolescentes sobre prevenção de gravidez precoce, uso de drogas e álcool, formação educacional e social de jovens alunos da rede pública, tudo isso em parceria com várias outras instituições. “Além do suporte psicossocial e medidas de amparo, acolhimento e proteção física, a nossa preocupação na Lírios sempre foi oferecer às mulheres e aos seus filhos vitimados pela violência doméstica e familiar, condições de obterem sua autonomia econômica profissional a fim de que possam se libertar da condição de dependência dos maridos/pais e ou outros familiares agressores e abusadores”, explica a defensora Tânia de Matos sobre os princípios que regem as ações da Lírios onde presta serviços voluntários. 

   

Nesse sentido, ela narra que em 2015, em parceria com a OAB de Várzea Grande, foi oferecido o primeiro curso básico de empreendedorismo feminino. “O grande salto, no entanto, aconteceu em 2017, quando tivemos um projeto aprovado em uma concorrência nacional e recebemos uma subvenção de uma fundação social mantida por um dos maiores bancos privados do Brasil. Foi a partir daí que pudemos ampliar a oferta com um curso mais aprofundado, com cinco módulos, na área de capacitação empreendedora para as mulheres assistidas pela Lírios”, conta a defensora.

Como exemplo de superação e recompensa pelo trabalho voluntário realizado na Lírios, a defensora relembra o caso de uma mulher acolhida pela organização que, hoje, é uma influencer digital de sucesso. “Um dos casos mais marcantes que tivemos nestes oito anos de trabalho da Lírios é de uma mulher jovem que nos procurou desesperada, chorando e completamente descompensada. Vítima de violência doméstica, ela queria muito que tudo se resolvesse logo, mas, não sabia como superar aquele momento e se manter financeiramente. Ela era muito triste, fechada em si mesma em seu sofrimento. Nós a acolhemos na Lírios e, ao longo do tratamento com a nossa psicóloga voluntária, ela foi estimulada a usar sua criatividade, sorrir mais, rir de si mesma e para a vida usando seus talentos. Nos exercícios de criatividade, ela criou uma personagem e se descobriu uma verdadeira atriz e humorista nata. A partir daí, ela abriu um canal para essa personagem nas redes sociais e logo fez grande sucesso. Hoje ela se profissionalizou, faz teatro, conta histórias, tem mais de 17 mil seguidores no Instagram e trabalha em uma emissora de televisão em Cuiabá. Temos a alegria de compartilhar essas conquistas dela a partir do suporte que ela recebeu dos voluntários da Lírios, e isso é gratificante”, ressalta Tânia de Matos.

Para a defensora, não há separação efetiva entre o seu trabalho profissional e as ações que realiza como voluntária. “A Tânia voluntária é a mesma Tânia defensora o tempo todo, fins de semana ou férias. Ser defensora pública é sempre buscar incluir as pessoas, defender seus direitos. E ser voluntária é para mim um outro espaço para eu exercitar tudo o que apreendi nos 21 anos que estou defensora pública. Nesse tempo percebi que os males, as mazelas, que acabam na Justiça e suas diversas Varas, tem origem nos problemas familiares. Tudo o que acontece em sua família quando você é criança, você acaba levando para vida adulta na forma de traumas. A gente vê isso todos os dias. Trabalhar com essas mulheres e seus filhos, tão profundamente abalados psicologicamente pela violência doméstica, pelos abusos contra as crianças principalmente, nos entristece e nos cobra posicionamentos práticos. O estado não tem estrutura suficiente para dar a assistência a essas pessoas pelo tempo e com a profundidade necessária e aí nós tentamos suprir essa falha”, afirma a defensora.

Para Tânia de Matos, o trabalho voluntário traz mais recompensas que frustrações. “Quem mais ganha com o voluntariado é quem se doa e não quem recebe aquela sua dedicação, preocupação e cuidado porque está ferido, adoecido e fragilizado porque foi agredido por quem deveria lhe dar carinho, apoio, amor, respeito. Quando se é voluntário e se lida com essas situações de violência, você passa a valorizar aquilo que para você é trivial, que é natural como seus pequenos prazeres pessoais, seu conforto, sua estabilidade econômica, a tranquilidade de seu lar, a segurança que tem junto aos seus entes. Muitas mulheres e seus filhos não têm isso. Para elas, a rotina é de violência, de agressão, de abuso, um grande martírio.  Então, você percebe que sua vida é um privilégio, é uma benção e um paraíso”, conclui a defensora.