UM ESFORCO PELA VISIBILIZACAO DAS PESSOAS EM SITUACAO DE RUA E A ATUACAO DEFENSORIAL

15/10/2021 15/10/2021 23:49 234 visualizações

Em Mato Grosso, existem hoje pelo menos dois mil e duzentos cidadãos “invisíveis” vivendo nas ruas das cidades, entre as multidões alheias à sua presença. Segundo os frios números do boletim da Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc), divulgado em agosto deste ano, esta população invisibilizada está espalhada por todo o estado. As cidades de médio e grande porte, no entanto, concentram a maioria desses cidadãos relegados à condições indignas de vida. Entre as cinco principais cidades do estado que reúnem o maior número de pessoas vivendo em situação de rua estão Rondonópolis com 578 indivíduos, Cuiabá com 563, Sinop com 370, Várzea Grande com 100 e Primavera do Leste com 97 pessoas.

A luta contra a invisibilização desse segmento da população em Mato Grosso tem na defensora pública Rosana Monteiro uma das ativistas mais combativas. Integrante do Grupo de Atuação Estratégica em Direitos Coletivos sobre População em Situação de Rua da DPMT e coordenadora da Comissão de População em Situação de Rua da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), Rosana Monteiro realiza, de forma voluntária em suas horas de folga, um forte trabalho junto ao Fórum Pop Rua de Cuiabá, coletivo que reúne pessoas em situação de rua e representantes de várias instituições da sociedade civil organizada.

Em entrevista para nossa coluna, a defensora falou sobre a sua experiência neste trabalho voluntário. “Trabalhar com essa população é tanto viciante. A gente sofre, mas celebra muito as conquistas”, explicou.

Conforme a defensora, entre os pontos negativos de sua vivência junto as pessoas em situação de rua estão obstáculos como a excessiva burocracia dos órgãos públicos, a falta de vontade política de se implementar as ações e políticas públicas voltadas para esse que é o mais vulnerável segmento da população. “A gente se desgasta muito nestes enfrentamentos para tentar construir espaços de oportunidades para inserir as pessoas em situação de rua na agenda política, de incluí-las no debate político dos governos”, argumentou Rosana Monteiro.

Ela destaca, no entanto, o quanto é gratificante ver como tem avançado a conscientização e a organização das pessoas em situação de rua em Mato Grosso, mais especificamente, em Cuiabá. “Regularmente fazemos debates, reuniões, audiências públicas, seminários com uma importante participação e mobilização desse segmento. A gente fez um trabalho muito forte de organização do movimento social para que elas mesmas assumissem o protagonismo pela luta por seus direitos, algo que não havia em Mato Grosso.”

A defensora admite que não tem sido fácil a luta diária para tornar essa parcela da população visível e superar o seu apagamento aos olhos das estruturas de poder público. “Essas pessoas são reais, elas existem e precisam ser ouvidas, precisam ser atendidas em suas necessidades e respeitadas em sua cidadania, em sua dignidade e individualidade. Temos atuado para que elas assumam o protagonismo de suas causas como cidadãos que são. Nesse sentido é que ajudamos a fundar o Fórum Pop Rua de Cuiabá, um espaço coletivo de debate e articulação sobre os direitos da população em situação de rua e também uma base do Movimento Nacional da População de Rua em Mato Grosso", contou Rosana Monteiro.

A defensora explicou ainda como o Fórum atua e como é composto. “Além de unificar as reivindicações e da defesa das pautas desse segmento da sociedade, o Fórum atua como porta-voz desse coletivo na provocação de organismos e instituições de controle como a Defensoria Pública e o Ministério Público, por exemplo. O trabalho desse fórum é tentar intervir para que haja as transformações sociais em favor da população em situação de rua. A participação no Fórum é livre. Além do próprio povo de rua, está aberto à representantes de igrejas, sindicatos, associações de classe, dentre outros”, salienta.

 

Resultados

A defensora pública lembra que as políticas para a população de rua são bastante complexas, o que dificulta muito a aplicação prática de medidas efetivas mitigadoras dos problemas que esse grupo enfrenta no seu dia a dia. “Estamos falando de pobreza e vulnerabilidade extrema. São pessoas que não têm endereço, muitas vezes sequer têm documentos pessoais, não têm referências. São por isso ‘invisíveis’ para o Estado, cujas estruturas são burocratizadas, e que dificilmente se flexibilizam em razão das especificidades desse público dificultando o acesso a serviços básicos essenciais como o atendimento à saúde, a assistência social, a moradia, educação, acesso a emprego e renda, dentre outros”, aponta.

Entre as conquistas decorrentes dessa atuação, conforme Rosana Monteiro, está a criação do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (CIAMP-Rua) no Estado de Mato Grosso e no Município de Cuiabá, com efetiva participação das pessoas em situação de rua e entidades da sociedade civil que atua com esse público.

Como integrante da Defensoria Pública de Mato Grosso, Rosana Monteiro diz alimentar a expectativa de que a instituição se estruture para defesa efetiva e coletiva dos direitos das populações em situação de rua. Ela lembra que ainda não há na estrutura da defensoria um Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, um dos deveres legais da Instituição. Com a EC 80/2014, as defensorias ganharam a atribuição de promotora de direitos humanos. Antes disso, a Lei 11.448/2007 já havia dado ênfase à defesa das populações vulneráveis por parte da Defensoria Pública. “Infelizmente, a Defensoria de Mato Grosso ainda não possui um núcleo de Direitos Humanos. Todo o trabalho que realizo com população de rua é voluntário, e uma atuação dessa não pode ser voluntária dentro de uma instituição que tem dever constitucional e legal de promover e defender os direitos humanos de grupos especialmente vulnerabilizados. Precisamos institucionalizar a defesa dos Direitos Humanos, que é algo que não pode ser feito apenas nas horas vagas, de forma voluntária e isolada. Precisamos ter defensores e defensoras destacados para realizar esse trabalho, assim como em várias outras áreas relativas a grupos vulnerabilizados”, defende Rosana Monteiro.

No que diz respeito a percepção da sociedade quanto as pessoas em situação de rua, a defensora pontua que ainda é permeada de muito preconceito e estigma, que precisa ser desconstruído com conhecimento e humanização das relações. “Infelizmente, vivemos em uma sociedade em que as pessoas são levadas a se tornarem cada vez mais frias, mais individualistas, distantes e com medo do outro. E isso são barreiras que atrapalham o nosso crescimento pessoal e enquanto sociedade. É difícil. Mas, amor, empatia e solidariedade, são valores que precisamos resgatar”, concluiu.

Ao mencionar toda sua experiencia Rosana Monteiro finaliza dizendo que foi trabalhando com população em situação de rua que conheceu seu esposo, o Defensor Público Federal Renan Sotto Mayor que também atua com a pauta e ambos seguem juntos lutando pelos direitos do povo da rua e por justiça social. “Não é só de luta que se vive e no meio das lutas o amor é a maior das revoluções.”